sexta-feira, 1 de junho de 2012

Vill’Alcina, FERNANDEZ, Sérgio


1. As características do contexto de intervenção e o modo como o projecto lhes responde.

A Casa de Férias em Caminha de Sérgio Fernandez conseguiu confundir-se na paisagem na sua intervenção no terreno adaptando-se ao elevado declive e tornando-se num prolongamento do mesmo.
“Sérgio Fernandez descreve a casa como “um mau projecto e uma boa casa”, confirmando a possibilidade de ultrapassar a disciplina da arquitectura por uma afetividade casual decorrente da simples conjugação de opções pragmáticas. Era uma intenção do projecto fazer desaparecer a arquitectura, torna-la invisível, não só pela discrição física e diluição no terreno em que se insere, mas também pelo modo como o projecto parece ser indiferente perante a possibilidade de afirmar alguma representatividade ou autoria (…) ”.[1]
Com este texto percebemos que a intenção do projecto desta casa, não é mais do que a realização de um espaço para habitar, que não se afirme, nem se torne num «objecto» que impere sobre o terreno e a paisagem. Assim este projecto torna-se praticamente impercebível, fundindo-se com a natureza.



2. A lógica funcional e espacial da planta que melhor representa o projecto.


Fig. 1: Planta Completa


Ao observarmos a planta conseguimos entender a espacialidade do projecto e a intenção do arquitecto de criar um espaço de habitar com os mínimos imprescindíveis para viver. Além disso, é fácil de perceber como cada elemento do programa da casa se desenvolve e se relaciona com os diferentes espaços. Para esclarecermos a lógica funcional e espacial da planta, iremos apenas referir a casa da direita (ver fig. 1).
O início do percurso no interior da casa é feito “descendo por umas escadas estreitas que não ultrapassam a largura da porta”[2]. Chegando ao último patamar somos obrigados a mudar de direcção.
“Entrada em sifão e estrutura espacial organizada em dois alinhamentos perpendiculares, um diagrama simples: o eixo longitudinal assenta horizontalmente no terreno e constrói o atravessamento da casa de um topo ao outro, a ele se adossando os diversos espaços que a constituem; no sentido transversal, um rectângulo largo contra as curvas de nível. O tecto, por sua vez, é um imenso plano que percorre todo o espaço interior, unificando-o; ao tecto contínuo contrapõe-se o pavimento recortado que acompanha o terreno – topografia modificada, acolhe os usos diferentes.”[3]
A nossa direita encontra-se a cozinha, “momento a partir do qual toda a casa pode ser vista, os próprios vãos abertos sobre a paisagem têm com ela uma forte relação – como se o lugar onde se prepara as refeições, geralmente pouco significante, aqui representasse o cerne de toda a actividade doméstica.”[4]
A cozinha relaciona-se directamente com a sala de estar, que se situa a uma cota mais baixa, através do prolongamento do banco da cozinha que se transforma num “muro” de divisão conferindo um estatuto de open space a esta zona da casa.
Do outro lado da casa, a nossa esquerda, situam-se os quartos, a uma cota mais alta da cozinha e elevados um degrau acima do corredor. O último quarto tem o privilégio de se puder isolar dos restantes através de uma porta.
“Para um lado, os quartos, que não são quartos mas alcovas, elevadas um degrau acima do corredor; este, muito mais do que uma passagem é uma varanda minhota, larga, rasgada em continuidade sobre o exterior, transparente à luz, ao sol e à chuva.”[5]


3. A lógica funcional e espacial do corte que melhor representa o projecto

Fig. 2: Corte AA

Este corte transversal, que atravessa sala de estar e a cota da cozinha, permite-nos perceber de que forma a casa se relaciona com o terreno e como lida com a forte inclinação do mesmo assim como os relacionamentos espaciais referidos na análise da planta.
A cobertura adopta a mesma inclinação do terreno possibilitando a “camuflagem” da obra na paisagem, que se debruça sobre o mar e o horizonte. O arquitecto não optou apenas por traduzir o declive do terreno na cobertura mas também no interior da casa com a repetição das curvas de nível no pavimento.
A cota mais baixa presente no corte é a cota da sala, que adquire um caracter mais estável e recolhido, e que está relacionada com a cozinha concedendo o tal estatuto de open space referido anteriormente. O banco da cozinha que marca a divisão de estes dois espaços possui ainda outras características.
“Assim, o que verdadeiramente se encontra investido de significado é a expressiva massa horizontal do muro de suporte que (para além das suas óbvias funcionalidades) sublinha o sentido longitudinal da habitação, explicita o seu firme assentamento no terreno e acolhe o eixo vertical que assinala o sítio do fogo. Única na sua formulação, esta parede espessa constitui-se o tema da ancoragem da casa ao lugar, metáfora afinal da toda a domesticidade.”[6]


4. Os aspectos do projecto mais próximos dos modelos canónicos do movimento moderno.

A Casa de Férias em Caminha de Sérgio Fernandez, também conhecida por Vill’Alcina, aproxima-se dos modelos canônicos do movimento moderno no sentido em que se realiza de acordo com o seu tempo e traduz a realidade que a envolve. Além disso, o projecto revela possuir diversas características típicas da arquitectura orgânica segundo Bruno Zevi tais como:

·         "Unidade interior/exterior: a casa embebida na natureza." A casa e a sua envolvente formam um contínuo ininterrupto porque os seus compartimentos são configurados, e o seu invólucro escolhido, de modo a integrá-los no respectivo terreno.
·         "Na natureza dos materiais." A casa e a sua envolvente formam um contínuo ininterrupto porque se escolhem materiais de construção naturais oriundos do respectivo local, de modo a assegurar continuidade funcional e morfológica com a envolvente natural.
·          "A casa como invólucro, um abrigo dentro do qual o animal humano se pode proteger como no interior de uma gruta, protegido da chuva, do vento e da luz."[7]
Não podemos esquecer de mencionar mais uma vez o uso do open space presente no relacionamento da cozinha com a sala de estar que confere ao espaço interior um semblante mais modernista.


5. Os aspectos do projecto que mais se distanciam dos modelos canónicos do movimento moderno.

Apesar de ter sido construída num período predominante da corrente moderna da arquitectura e possuir características da mesma, a Casa de Férias de Caminha é também, e paradoxalmente, uma casa popular.
Em contraste com o interior modernista da casa, a linguagem exterior traduz-se “como um eco do terreno que se reveste da mesma rudeza.”[8]
“Esta casa (…) é o resultado de um certo pragmatismo associado ao conforto (…) não tem requinte nenhum, de nada, é o mínimo que se pode fazer, é esta a qualidade que a casa tem”. [9]
O arquitecto conseguiu desenvolver uma obra em harmonia com a envolvente mantendo presente o conceito de contemporaneidade e ao mesmo tempo proporcionando-a uma qualidade intemporal que a relaciona daquilo que de mais autêntico se encontra na Arquitectura Popular.


  

Bibliografia


AAVV, Só Nós e Santa Tecla, Porto: Dafne Editora, 2008.
CAPELA, José, Aula 17, arquitectura orgânica, segundo Bruno Zevi, EAUM, 16.04.2012.
FERNANDES, Eduardo, A Escolha do Porto: contributos para a actualização de uma ideia de Escola (Tese de Doutoramento em Arquitectura), UMinho, Julho 2012
FERNANDEZ, Sérgio, Percurso, Porto: FAUP Publicações, 1988.



[1] TAVARES, André e Bandeira, Pedro, “ Só Nós e Santa Tecla”, em André Tavares & Pedro Bandeira (ed.), Só Nós e Santa Tecla, Porto: Dafne Editora, 2008, (p.7).
[2] Oliveira, Maria Manuel, “Entrar, Habitar”, em André Tavares & Pedro Bandeira (ed.), Só Nós e Santa Tecla, Porto: Dafne Editora, 2008, (p.26).
[3] Oliveira, Maria Manuel, “Entrar, Habitar”, em André Tavares & Pedro Bandeira (ed.), Só Nós e Santa Tecla, Porto: Dafne Editora, 2008, (pp.26-27).
[4] Oliveira, Maria Manuel, “Entrar, Habitar”, em André Tavares & Pedro Bandeira (ed.), Só Nós e Santa Tecla, Porto: Dafne Editora, 2008, (p.28).
[5] Oliveira, Maria Manuel, “Entrar, Habitar”, em André Tavares & Pedro Bandeira (ed.), Só Nós e Santa Tecla, Porto: Dafne Editora, 2008, (p.27).
[6] Oliveira, Maria Manuel, “Entrar, Habitar”, em André Tavares & Pedro Bandeira (ed.), Só Nós e Santa Tecla, Porto: Dafne Editora, 2008, (pp.28-29).
[7] CAPELA, José, “… e a implementação da arquitectura orgânica”, Aula 17, arquitectura orgânica, segundo Bruno Zevi, EAUM, 16.04.2012.
[8] FERNANDEZ, Sérgio, Percurso, Porto: FAUP Publicações, 1988, (p. 190)
[9] MENDES, Manuel, “terra quanto a vejas, casa quanto baste”, em André Tavares & Pedro Bandeira, Só Nós e Santa Tecla, Porto: Dafne Editora, 2008, (p. 102)